Alexandre Lucas
Entrevista com o type designer Peter Bil'ak
Atualizado: 26 de nov. de 2019

Se algum dia você pensou em transmitir uma mensagem escrita de forma clara, certamente se preocupou com o desenho da letra que usaria. Mais do que apelo estético, um belo tipo pode estimular sensações e influenciar a forma como nos comunicamos. Por essa razão designers amam tipografia.
Afinal, não poderia ser diferente.
Entre esses está Peter Bil’ak, respeitado designer nascido na antiga Tchecoslováquia e que hoje mora na Holanda. Especializado em tipografia e professor da Academia Real de Haia, entre seus projetos está o estúdio Typotheque, a revista Dot Dot Dot e a Indian Type Foundry, focado em tipos indianos. Conhecedor de mercados emergentes do design como a China e a Índia, ele também edita uma bela e curiosa revista chamada Works That Work, na qual aborda o que ele define como “criatividade inesperada”. Peter respondeu algumas perguntas para mim sobre tipografia, design, criatividade e até mesmo sobre atual momento do mercado editorial e da mídia impressa.
Laboota: No Brasil, a tipografia ainda é vista como algo de pouca relevância fora do meio design. Mesmo no mercado editorial todos sabem da necessidade de um belo tipo, porém não são muitos que realmente se preocupam em dar atenção a isso. Qual é a importância da tipografia nesse atual momento e como demonstrar esse seu papel vital na comunicação?
Peter Bil'ak: Nos deparamos com tipografia várias vezes ao dia. Não podemos fugir dela. Ela está em tudo ao nosso redor: não só em livros, revistas e jornais, mas também em nossas telas, tablets, telefones celulares, TV, etc. É como o ar: você não pensa muito sobre isso quando ele está bom, mas quando a qualidade cai ficamos incomodados. Da mesma forma notamos os tipos. Infelizmente, assim como o ar ruim de cidades como Pequim por exemplo, quando expostos a maus exemplos por muito tempo acabamos nos adaptando e eles tornam-se a regra. Por outro lado, quando se vê o céu claro (ou um tipo bem usado) você não troca por nada. Na Holanda, onde eu moro, a maioria dos jornais, dicionários e os principais veículos de informação são muito bem desenhados, algo que cativa o público e torna a vida um pouco mais agradável.
Tipografia é como o ar: você não pensa muito sobre isso quando ele está bom, mas quando a qualidade cai ficamos incomodados
Laboota: Muito se fala em design thinking e cérebros criativos. Você mesmo edita uma revista sobre "criatividade inesperada". Mas justamente neste momento difícil em que se encontra, o mercado editorial sofre uma espécie de crise criativa. Isso se deve a fórmula que se esgotou ou a falta de ousadia para apostar em novas ideias?
Peter Bil'ak: A cena editorial mudou e alguns editores que estavam acostumados com as antigas condições têm mais dificuldades de se adaptar à nova situação. A economia mudou também assim como os padrões de leitura dos leitores. As pessoas têm cada vez menos tempo para se concentrar então editores lutam pela atenção delas com formas bombásticas e espetaculares de apresentar a informação. Com isso esquecemos de que, em sua essência, a leitura é uma experiência muito íntima e nós temos que respeitar o leitor.
Ao iniciar a revista Works That Work é claro que focamos o conteúdo, mas sem se esquecer de olhar para todos os aspectos da publicação, como a colaboração entre quem escreve, quem edita e quem publica. Para isso desenvolvemos uma plataforma de publicação que facilitou essa colaboração e permitiu manter um única fonte de texto que nós podemos publicar tanto no impresso, no online ou em ebooks. Tivemos também que investir em nossa web, que é o ponto de partida para se descobrir o projeto, e repensar a relação com os nossos leitores. Eles não são apenas indivíduos anônimos. São parceiros da revista. Eles financiaram o projeto antes mesmo que ele existisse e agora aprofundamos esta relação. Assim os leitores se tornam nossos distribuidores - e em troca eles são recompensado por seus esforços. Tentamos procurar a rota mais curta do editor para o leitor, evitando os intermediários.

Laboota: Por muito tempo, esse mesmo "leitor" era uma figura abstrata dentro das redações, fruto das próprias convicções e expectativas dos profissionais que ali trabalhavam. Graças a internet, hoje essa entidade passou a ter voz e muitas vezes ela é estridente. Se ele está aí e mesmo assim muitas vezes o mercado editorial não o está ouvindo, o que está acontecendo? Estão falando línguas diferentes?
Peter Bil'ak: Trabalhar em equipes grandes, sob pressões comerciais e pouco tempo, pode levar a um pensamento esquizofrênico onde não se sabe se está fazendo o melhor trabalho, mas se convence que é o que o público quer. Nós subestimamos o leitor e esquecemos que todos nós somos leitores. Felizmente, hoje, é mais fácil do que nunca se conseguir a interação real entre quem produz e quem consome conteúdo. E até mesmo trocar de papéis às vezes. Ao tratar os nossos leitores não apenas como consumidores passivos eles podem até contribuir para a publicação também.
Laboota: Eventos de design como o Tipocracia e outros que acontecem no Brasil ainda são iniciativas espartanas, muitas vezes conduzidas pelos próprios profissionais interessados no amadurecimento da área. Raramente vemos editoras e ou veículos de comunicação por trás disso. Nesse aspecto, Europa e Estados Unidos parecem já estar a anos-luz na nossa frente. Chegamos tarde demais?
Peter Bil'ak: Eu não estou familiarizado com o Brasil e seu cenário cultural, mas a partir de minhas experiências em outros lugares como a China ou Índia eu vejo que o design se torna cada vez mais importante e as pessoas percebem que querem ser parte importante do mundo (e não apenas sua parte "mão-de-obra"). Eles procuram encontrar sua própria voz, sua identidade própria e o design ajuda nessa emancipação. Nós esquecemos de que "design" não é somente alguns objetos legais em algum museu , mas praticamente tudo o que é feito por seres humanos. Estive viajando para a Índia nos últimos 6 anos e presenciei um progresso incrível e um aumento de interesse em objetos bem desenhados e processos. Seis anos atrás era difícil de explicar o que eu faço, agora eu me encontro com centenas de jovens designers com espírito empreendedor. Me deparo com discussões sérias sobre o papel dos designers, publicações, palestras, etc. Eu imagino que algo semelhante deva estar acontecendo no Brasil.
Laboota: O que é mais importante para um bom profissional: conhecimento técnico, espírito empreendedor ou criatividade?
Peter Bil'ak: Como você pode imaginar todas as três partes são importantes e vitais, principalmente se você trabalhar por conta própria. Mas se alguém quer ser um especialista trabalhando dentro de uma organização, pode ser uma boa escolher apenas uma.
Entrevista concedida a mim em fevereiro de 2013 para o blog Faz Caber.